domingo, 9 de agosto de 2009

Ele, um Idealista


Naquela semana, não sei por que, insisti muito para que ele fosse assistir a meu jogo de futebol. Cursava a 4ª série de 1º grau no Colégio Santo Inácio, em Fortaleza.

Tudo bem que era a grande final do campeonato: 4ª A contra 4ª C, no majestoso ginásio poliesportivo - pelo menos aos olhos de uma criança de nove anos - que durante todo ano era para nós inacessível, pois ficava no outro lado do colégio, exclusivo para os alunos do 2º grau. Mas mesmo assim, era um dia de semana, horário comercial, não sei como ele conseguiria ir, já que não lhe dei nenhuma explicação convincente para tanta insistência. Nos anos anteriores tínhamos sido bi-campeões com a 2ª A e a 3ª A, seria apenas mais um jogo.

Ao entrar na quadra, no horário marcado, ele estava lá, na arquibancada, com uma máquina fotográfica na mão. Ufa, balbuciei, sem saber por que, apenas queria ele ali. Neste jogo estivemos sempre correndo atrás do placar, e um lance persiste em minha memória como se fosse hoje, mesmo tendo se passado 25 anos. Perdíamos o jogo por 2 x 1, e nosso goleiro me lançou a bola até o meio da quadra, e naqueles lances de lampejo, emendei de primeira de esquerda para o gol. Um golaço, o do empate de 2 x 2. O juiz imediatamente apitou e anulou o gol alegando que a bola “atravessou”.

Naquele tempo não valia o goleiro lançar a bola além do seu campo sem tocar em alguém do mesmo time antes de cruzar o meio da quadra. Mas como o juiz poderia saber que tinha “atravessado” se chutei com a bola no ar ainda? Parecia-me um crime anular aquele gol. Seria o gol de empate, um golaço. E foi. Imediatamente ouvi um grito lá das arquibancadas, aquela voz bastante familiar se dirigindo ao árbitro: “não foi gol por quê? Você anulou o gol por quê?”

Bem, depois de muito disse me disse, ponderações de lá e de cá, o golaço foi confirmado. Meu herói! Pensei eu. Até hoje tenho a foto deste gol, no momento do chute, de um ângulo que não se pode precisar (naquela época não tinha tira-teima!) se a bola “atravessou” ou não a linha do meio da quadra. Mas como ele defendeu com tanta convicção a legalidade absoluta do gol, todo mundo se convenceu, do juiz ao time adversário.

No fim perdemos por 4 x 2. Passada aquela frustração instantânea após o apito final, não me abalei, mesmo tendo perdido o primeiro campeonato em três anos. Ele estava lá. Até hoje não sei se meu inconsciente precisava dele porque ia perder o jogo ou para validar meu gol. E que gol! A partir daquele dia entendi do “alto dos meus 9 anos de idade” que teria sempre um protetor, na alegria e na dor.

Anos mais tarde, nos idos de 1990, com 15 anos, como tenente-aluno, ia comandar orgulhosamente o Grupamento de Engenharia do Colégio Militar de Fortaleza, no desfile de 7 de setembro. O traje de gala impecável: túnica indefectivelmente branca e a poderosa espada militar, emprestada pelo Capitão.

O mesmo Capitão do Exército Brasileiro que minutos antes do desfile começar me disse que teria que encaixar outra pessoa no meu grupamento, ao meu lado, e por questão de “simetria”, como só havia uma espada, a dele, eu não poderia mais desfilar com a mesma para comandar o grupamento. Será que isto é uma ordem? Pensei eu. Ora é claro que é, e do Capitão.

Mesmo muito a contragosto já me preparava para desatarraxá-la do cinto, quando ele chegou percebendo meu desânimo. Ora, tinha estudado muito o ano anterior para ser promovido a tenente-aluno e treinado exaustivamente durante quinze dias todos os comandos do grupamento e todos os movimentos exatos da pesada espada. Mas era uma ordem militar. Pelo menos para mim, mas não pra ele. De imediato abordou o Capitão e começou a ponderar. Desta vez nem me aproximei.

Aquela “simetria” estava “atravessada” na minha garganta. Quando dei por mim só escutei a última frase do diálogo: “mas aonde coloco o outro aluno?” Perguntou o Capitão. “Aonde colocar eu não sei, só sei aonde não colocar” respondeu ele.

De repente me lembrei daquele gol anos antes. Foi um belo desfile, com exceção da dor em todos os dedos da mão esquerda depois de segurar a bainha da espada na posição milimetricamente certa durante duas horas.

Ele é meu Pai.

Um homem honrado, de conduta ilibada, que acredita em seus princípios, em seus sonhos, que defende seus ideais. Um idealista. Sempre colocou a família acima de tudo, embora me ensinasse que não é preciso estar sempre acima para ser grande. “O mar é que soube postar-se abaixo dos rios para ser maior que todos eles.” E assim me ensinou a ser um Homem, um Homem de bem. Sem esforço, apenas sendo ele mesmo.

Feliz Dia dos Pais!

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