Sim, sei bem
Que nunca serei alguém.
Sei de sobra
Que nunca terei uma obra.
Sei, enfim,
Que nunca saberei de mim.
Sim, mas agora,
Enquanto dura esta hora,
Este luar, estes ramos,
Esta paz em que estamos,
Deixem-me crer
O que nunca poderei ser.
O último dia do anonão é o último dia do tempo.Outros dias virãoe novas coxas e ventres te comunicarão o calor da vida.Beijarás bocas, rasgarás papéis,farás viagens e tantas celebraçõesde aniversário, formatura, promoção, glória, doce morte com sinfonia e coral,que o tempo ficará repleto e não ouvirás o clamor,os irreparáveis uivosdo lobo, na solidão.O último dia do temponão é o último dia de tudo.Fica sempre uma franja de vidaonde se sentam dois homens.Um homem e seu contrário,uma mulher e seu pé,um corpo e sua memória,um olho e seu brilho,uma voz e seu eco,e quem sabe até se Deus. . .Recebe com simplicidade este presente do acaso.Mereceste viver mais um ano.Desejarias viver sempre e esgotar a borra dos séculos.Teu pai morreu, teu avô também.Em ti mesmo muita coisa já expirou, outras espreitam a morte,mas estás vivo. Ainda uma vez estás vivo.e de copo na mãoesperas amanhecer.O recurso de se embriagar.O recurso da dança e do grito,o recurso da bola colorida,o recurso de Kant e da poesia,todos eles. .. e nenhum resolve.Surge a manhã de um novo ano.As coisas estão limpas, ordenadas.O corpo gasto renova-se em espuma.Todos os sentidos alerta funcionam.A boca está comendo vida.A boca está entupida de vida.A vida escorre da boca,lambuza as mãos, a calçada.A vida é gorda, oleosa, mortal, sub-reptícia.
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